GERAL
Declarada morta em 2023, moradora de Carazinho aguarda justiça para voltar a receber benefício do INSS

Foto Mara Steffens/O Correspondente
Em janeiro de 2023, quando foi receber o Benefício de Prestação Continuada - BPC, Marlene Fátima Correa (67) foi surpreendida com a conta bancária zerada. Ao buscar informações, descobriu que seu benefício havia sido cortado porque ela "havia falecido" em dezembro do ano anterior, em Nova Mutum-MT. O engano provocou uma reviravolta grande na vida da moradora de Carazinho, que começava ali uma verdadeira peregrinação para provar que estava viva e ter o BPC reestabelecido pelo INSS.
Esta história surpreendente começa quando uma mulher com o mesmo nome e documentação de Marlene faleceu na cidade mato-grossense. A partir da certidão de óbito dela, o INSS cancelou o benefício. "Eu nem sabia que esta mulher existia. O filho dela até me ligou, um tempo atrás, dizendo que a mãe dele também se chamava Marlene Fátima Correa, mas eu não dei bola. Aí fui no banco e não tinha nada na conta. Perguntei para as meninas e elas disseram que que o INSS havia cortado. Minha nora ligou para o INSS e disseram que eu estava em óbito. Todos os meus documentos foram cancelados", recorda ela.
A família contratou advogada e ingressou na justiça. Com o marido doente e sem condições de trabalhar, o BPC de um salário mínimo que Marlene recebia era a única renda da família. Ela passou a contar com a solidariedade de familiares, com as cestas básicas do CRAS Ouro Preto, local onde tem encontrado também conforto. A assistente social Juara Oliveira é uma das pessoas que tem se importado com o drama vivido por dona Marlene. A renda renda obtida com a reciclagem de lixo também auxilia na sobrevivência. "Até fome passamos. Precisamos nos virar, ajuntar papelão na rua para vender. Meu marido também aguarda liberação para aposentadoria. Já fez perícia, está tudo certo, mas está aguardando", conta.
A advogada Luana Santos (OAB-RS 117.258), do Escritório Zanotelli Advogados Associados, que representa Marlene, explica que a mulher falecida no Mato Grosso tinha exatamente os mesmos dados da moradora de Carazinho, data de nascimento, filiação, avós, local de nascimento, matrícula da certidão de nascimento, CPF e até título de eleitoral. Com o cruzamento de dados, o benefício foi cancelado. A profissional ingressou na Justiça para provar que Marlene estava viva. "Não é um caso de homônimos, como é comum acontecer. Os documentos são iguais, como se fossem xerox. Entramos como ação judicial, ela gravou um vídeo para o juiz federal, ele concedeu liminar em abril do ano passado, ou seja, para a Justiça dona Marlene está viva, que houve uma confusão, mas o INSS não consegue reestabelecer o benefício porque no sistema ela consta como falecida", esclarece.
Com a liminar da justiça, foi possível fazer um novo Cadastro de Pessoa Física - CPF para Marlene. Mesmo com este novo documento, o INSS não conseguiu reestabelecer o benefício, pois o restante da documentação de Marlene ainda é igual a da mulher falecida no Mato Grosso, e o sistema do instituto segue acusando o óbito. Nesta semana houve uma nova tentativa de restauração, mas a plataforma recursou mais uma vez.
Além disso, Luana esclarece que não se trata simplesmente que um servidor do INSS entre no sistema e corrija as inconsistências. Isso precisa ser feito apenas com ordem judicial, caso contrário, seria muito simples ocorrerem fraudes. "O sistema é nacional e não se altera de forma simples. Não tem uma pessoa com esta competência para entrar, mudar e pronto. Se não haveriam muitas fraudes, pessoas entrando e alterando informações. Para isso precisamos de determinação judicial", salienta.
A determinação judicial que a advogada se refere é um segundo processo que já tramita na Justiça de Nova Mutum. "Dificilmente esta situação será resolvida sem que outro processo seja concluído, com o qual entrei na justiça de Mova Mutum, pedido a anulação da certidão de óbito que existe em nome da dona Marlene. As certidões de nascimento das duas seguem sendo a mesma, e o aviso do óbito veio para o Registro Civil de Carazinho. Por isso precisamos da anulação para reaver o benefício, o que já foi autorizado com a liminar que temos há quase um ano, mas o sistema Gov.br não permite o pagamento porque tem duas pessoas utilizando a mesma documentação", cita.
Mistério
Como duas pessoas podem portar a mesma documentação? Esta pergunta não tem resposta. De acordo com Luana, não se sabe em que momento isso aconteceu, nem de que forma. "Dona Marlene era órfão e foi adotada. Esteve em determinado momento da vida no Paraná e por coincidência esta pessoa do Mato Grosso teve um vínculo empregatício no Paraná. Como as duas seguiram a vida com a mesma documentação, não se sabe. É um caso bem complexo", reflete.
Outro fato curioso desta história, é que o filho da mulher de Nova Mutum chegou a entrar em contato com Marlene - como ela mesma referiu para a reportagem - informando que a mãe estava tentando encaminhar benefício junto ao INSS e não estava conseguindo porque o sistema acusava o BPC que a carazinhense já recebia. Mas pensando em se tratar de um golpe, Marlene não considerou este contato.
O processo que pede anulação da certidão de óbito emitida no Mato Grosso e que corre na justiça de Nova Mutum segue os trâmites desde o ano passado, no entanto, não há previsão para a resolução do impasse. Por outro lado, com a anulação deste documento, será possível ajustar o sistema do INSS e o benefício da moradora de Carazinho será reestabelecido, possivelmente com pagamento dos valores retroativos.
Procuramos o INSS para um posicionamento, através da assessoria de imprensa, mas até a pubicação desta matéria não tivemos retorno.