CULTURA

Último dos tropeiros vive por aqui

João Hugo da Silva tem 97 anos (Foto Mara Steffens/O Correspondente)

 

Com 97 anos e as lembranças bem nítidas, João Hugo da Silva é considerado o último dos tropeiros. Morador de Carazinho, foi diversas vezes homenageado pela profissão que aprendeu com o pai e os tios. A mais recente foi em Cruz Alta, em novembro do ano passado, durante o SENATRO – XV Seminário Nacional de Tropeirismo, XII Encontro de Tropeirismo do CONESUL.

A figura do tropeiro foi de suma importância no desenvolvimento do Brasil. Era função dele transportar o gado do Rio Grande do Sul para São Paulo, onde era comercializado. João Hugo fez virou tropeiro muito cedo. Na primeira viagem, que durou quase quatro meses, ele completou 10 anos em meio a tropa. “Sou natural de Quaraí, na fronteira, vim de lá com seis meses. Meu pai vendeu uma quadra e comprou um pedaço de terra aqui. Completei 10 anos puxando égua madrinha para São Paulo. Levamos 3 meses e 28 dias. Aqui na colônia vender gado, mula... Primeiro com meu pai, depois sozinho”, recorda.

Em São Paulo, reuniram-se fazendeiros para a compra e venda de animais, especialmente as mulas, muito utilizadas para o trabalho na agricultura. “Tinha fazendeiro que tinha 300 mulas. Naquela época não tinha banco e colocávamos o dinheiro escondido num lenço costurado com couro de cabrito. Colocava o dinheiro lá dentro e prendia por baixo da camisa. Trazíamos o dinheiro assim. Os japoneses eram os compradores mais exigentes. Não compravam nenhuma mula sem ver os cascos delas estavam bons”, menciona, acrescentando que a última jornada como tropeiro ocorreu assim que deu baixa no quartel.

No momento de atravessar o Rio Uruguai com a tropa, chegava o auxílio dos canoeiros, que não deixavam os animais se afogarem. João Hugo recorda que em Santa Catarina era comum visualizar grandes pedras as quais as éguas gostavam de lamber, pois eram salobras. Além disso, era comum visualizar pequenas sedes com igreja, açougue e uma espécie de bodega. “Os patrões, que eram meus tios, colocavam na cabeça da gente que para ser um bom tropeiro, era preciso trazer a mula, senão a orelha ou a marca”, aponta.

Quando ele deixou de viajar, o tropeirismo também foi diminuindo até se encerrar. João Hugo se sente orgulho em ter participado do desenvolvimento do sul do Brasil, sendo tropeiro. No Mato Grosso a prática ainda acontece e de lá João Hugo recebe visitas constantes. “Eles vêm me visitar e fazem eu ir com eles até adiante de Passo Fundo, revivendo aquele tempo. Ficou na lembrança. Agora ninguém tropeia mais”, lamenta.

O fim do tropeirismo se deu a partir da mecanização da agricultura. A proximidade com a lida, tornou João Hugo ginete, característica que lhe dá muito orgulho. Ganhou mais de 100 carreiras com cavalo próprio. Os troféus estão expostos na sede campeira da família, no bairro Conceição. Sua desenvoltura com o laço lhe rendeu várias homenagens. Andou por todo sul do país participando de competições. “Quando eu perdia, pagava picolé, guaraná para a gurizada. Quando ganhava, não pagava nada (risos)”, brinca.

Conforme o idoso, antes de Carazinho prosperar, São Bento – hoje distrito – era mais desenvolvido. “A cidade mesmo era São Bento. Aqui em Carazinho tinham algumas casas. Ali na Avenida (nas imediações do cruzamento com a Rua Alexandre da Motta) cansei de ver os carroceiros atolarem. Tinha apenas um local para fazer refeição, uma pousada na saída (quem cai a Sarandi). O primeiro hotel saiu foi no lado direito dos trilhos (sentido bairro Glória -centro). Até São Bento vinham os carroceiros de outros lugares, entre eles Não-Me-Toque. Tinha bastante pinheiro naquela época. Tinha de tudo em São Bento, relativo ao comércio”, relata.

Outra lembrança do ex-tropeiro é o surgimento do primeiro hotel, segundo ele, à direita da Gare, no sentido Glória-Centro, mais ou menos onde hoje passa a Rua Silva Jardim. “Foi o primeiro que recordo, além da pousada da saída da cidade que já mencionei. Aqui ficavam os tropeiros quando iam e vinham de São Paulo. Carazinho era o caminho para as tropas”, salienta.

Na Praça Albino Hillebrand, João Hugo garante ter uma marca. É um pinheiro perto do Altar da Pátria que ele mesmo plantou.

Data: 17/01/2023 - 15:53

Fonte: Mara Steffens

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